O sincretismo é muito grande na capoeira, sendo comum ouvir referências aos orixas, nkisis, caboclos, e santos católicos em seu repertório musical…
Os três berimbaus da capoeira são saudados e reverenciados pelos mestres, contramestres, e discípulos exatamente como os três atabaques do candomblé o são pelos Taata Dya Nkisi*, Makotas**, Mwaana Nkisi, e fiéis. Ao seu modo, cada um possui função litúrgica que expressa as mensagens que extrapolam a dimensão consciente do existir, fazendo a ligação entre o sagrado e o real. Na parte do canto destinada aos corridos da capoeira, tem-se os cânticos de entrada, os de desenvolvimento e os de saída. O que corresponderia no candomblé aos cânticos para o santo “descer” e para “subir”. O pé do berimbau é um espaço onde se sacraliza o gesto. É na roda que a dimensão sagrada se expressa de maneira mais notável no repertório corporal do capoeirista. Na Capoeira Angola dançar, jogar, brincar, e lutar se traduzem como possibilidades de se estabelecer comunicação com um plano mais subjetivo, mais abstrato. Essa dimensão sagrada torna o processo ensino-apredizagem longo e demorado. Na cultura Africana, o corpo e o espirito não são vistos como entidades separadas. No candomblé, por exemplo, a entidade espiritual necesita de um “corpo” (matéria) para se expressar. Na Capoeira Angola é o corpo que necesita de um ngunzo para atingir a sua melhor forma de expressão.
Antes do jogo iniciar-se, os capoeiristas através de seus gestuais, invocam proteção sagrada (sinal da cruz, o cinco Salamão, e outros). A roda é o espaço do ritual e o corpo é o santuário do segredo. Aí está presente a dinâmica da comunicação, da restribuição do ngunzo, da existência e do vigor das regras do jogo cósmico contido na capoeira. O segredo não deve ser privilégio do mestre, mas os discípulos têm que merecê-lo…
… Por fim, como no candomblé, na capoeira o aprendizado nunca termina. Segundo a Makota Valdina Pinto, “só se poder ser realmente grande quando se sabe ser pequeno”.
* pai de santo
** mãe pequena de um terreiro
Este artigo inclue também um glossário de termos usados em candomblé, e as vezes nas músicas cantadas nas rodas da capoeira. A revista inteira é super interessante, e sempre ofrece uma iluminação em vários aspetos da Capoeira Angola. Pode achá-la na biblioteca do Grupo N’Zinga.
Muito obrigada, Mestre Poloca!