27.9.10

Capoeira em Recife: os desordeiros e os brabos

   
Sabemos bastante sobre a história de capoeira no Rio de Janeiro através das pesquisas de Jair Moura e Carlos Eugênio Líbano Soares, e estamos aprendendo ainda mais sobre ela na Bahia pelos estudos feitos por Frede Abreu, Antonio Liberac Cardoso Simões Pires, Pimentinha, e outros. Mas, a cidade de Recife, capital do estado de Pernambuco também tem um história rica de capoeira, embora pouco conhecida e estudada.

Bernardo Alves, um pesquisador que escreveu um livro sobre a capoeira no estado de Pernambuco fez uma entrevista com o grupo de capoeira CICA (Centro de Instrução de Capoeira Angola) que apareceu no jornalzinho do grupo, chamado Biriba, em abril de 2002. Aqui tem alguns trechos da conversa bem interessante:
CICA: O fato das malta se reuniram para brigar, essa rivalidade que se criou entre elas, nos mostra que não houve uma união em torno de um trabalho, só o choque. Será que isso também determinou o não-desenvolvimento da capoeira em Pernambuco?

Bernado: Eu acredito que não. Aquilo ali era um partidarismo. Então havia aqueles que torciam pelas bandas mais famosas do 4o Batalhão de Infantaria e os caras que torciam pela outra que também era famosa, a do Pedro espanhol, o Espanha. Eram os marginais fazendo a segurança dos oficiais. Eles iam tocando ali e os capoeira na frente fazendo a segurança. Na verdade, eles não estavam interessados em fazer segurança. Eles queriam jogar. Se você tirasse os capoeiras que torciam por essa banda, os outros quebravam a banda no cacete. Mas eu vou chegar lá onde você quer. Então havia essa coisa do partidarismo. Na Bahia foi preservada porque o baiano preservou a capoeira nas academias. Se não tivesse criado as academias, tinha acontecido o mesmo que aconteceu aqui. Os daqui foram expulsos e os de lá ficaram, A grande maioria dos capoeiras da Bahia ficaram lá. Então eles transformaram aquela coisa numa dança, coisa e tal, eles a disfarçaram, houve um disfarce e aqui não teve isso. Eu acredito, que não se passou mais de geração pra geração e acabou. Não houve o repasse e lá na Bahia houve porque existiram as academias… tem sempre aqueles caras que diziam não, isso é coisa do povo, tem que ser espontânea, não pode ser em academia. Mas se não fossem as academias, também na Bahia teria sumido.

CICA: Você não encontrou referências a agrupamentos organizadores. E quanto aos palcos das lutas?

Bernado: Era aquela coisa dos bairros. O capoeira da Madalena não entrava nos Coellos nem danado. Não ia de jeito nenhum. São as tribos. Isso é coisa muito primitiva.

CICA: Sem uma sistematização, nem academia, a capoeira aqui era mais malandragem… Então antigamente só eram os brabos e os valentes que a praticavam?

Bernado: Sim, lembrou bem. Tinham essas duas correntes na capoeira de Pernambuco. Que esse aqui era brabo e esse aqui era desordeiro. O brabo era um cara mais ético, tinha mais escrúpulo. E o desordeiro era aquele cara que era bagunceiro mesmo. Chegava e quebrava o cacete. Mas o brabo, não. O brabo era na dele, era muito mais perigoso que o outro. Não era disputa de técnica. Era luta mesmo para derrubar. Só que o Nascimento Grande era um cara muito interessante. Ele era engraçado. Quer dizer, ele derrubava o cara e depois botava o cara nas costas e levava ao hospital e dizia “olhe, cuide bem do meu compadre, aqui está o dinheiro, viu?”

CICA: Existia alguma ética entre os capoeiristas no combate corpo a corpo?

Bernardo: Entre os brabos.

CICA: E entre os desordeiros?

Bernardo: Com os desordeiros era vale tudo e mais um pouquinho.
Bem interessante! Sabe alguma coisa sobre a história da capoeira na sua cidade?

Leiam a conversa inteira no jornalzinho que está disponivel no acervo da FICA-DC.
  

Nenhum comentário: